Uma festa cultural em Porto Alegre

A primeira Feira do Livro ocorreu em 1955, sob a liderança do jornalista Say Marques, diretor-secretário do Diário de Notícias (1925-1979). Inspirado em um evento literário que havia conhecido na Cinelândia (RJ), ele decidiu importar a ideia para a capital gaúcha. Livreiros e editores foram procurados pelo jornalista, que compartilhou a ideia de popularizar o livro, agitando, desta forma, o mercado livreiro com descontos bastante atrativos. Àquela época, devido à baixa escolaridade das camadas mais pobres da sociedade, as livrarias possuíam um caráter elitista. Em busca de concretizar seu sonho, o jornalista Say Marques contou com o apoio da Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL), Associação Rio-grandense de Imprensa (ARI) e dos amigos Nelson Boeck, Edgardo Xavier, Mário de Almeida e Sétimo Luizelli.

O slogan da nossa 1ª Feira do Livro tinha um forte apelo sociocultural: “Se o povo não vem à livraria, vamos levar a livraria ao povo.” O local, escolhido para a realização do evento foi a Praça da Alfândega que, na década de 50, era bastante frequentado pela população local. Porto Alegre, à época, somava um pouco mais de 400 mil habitantes. A Feira do Livro de Porto Alegre é considerada o mais antigo evento literário do Brasil. Realizada anualmente, constitui-se na maior feira de livros a céu aberto na América Latina.

Ao retornar do Rio de Janeiro, Say Marques, na Confeitaria Central, no centro de Porto Alegre, comentou com os amigos o desejo de realizar um evento literário. Graças ao apoio recebido e à sua tenacidade, o ideário se concretizou, no dia 16 de novembro de 1955, numa quarta-feira, às 18 h, quando ocorreu a 1ª Feira do Livro. Com catorze barracas de madeira, em volta do monumento que homenageia o General Osório (1808-1878), a Feira do Livro foi inaugurada com um discurso proferido pelo Secretário de Educação e Cultura Liberato Salzano Vieira da Cunha (1920-1957). O livro mais vendido em nossa primeira Feira foi O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944).

Os sinais do término da Feira

Walter Galvani, Patrono da Feira do Livro de 2003, no seu livro A Feira da Gente, conta a descoberta casual deste evento cultural que ocorre, anualmente, “em pleno céu aberto”. No ano de 1955, enquanto atravessava a Praça da Alfândega, ele observou uma intensa movimentação de carpinteiros. Ao chegar à redação do Correio do Povo – seu local de trabalho –, Galvani perguntou ao colega P. F. Gastal (1922-1996) qual era o motivo daquela mobilização de operários na praça. Instigado com a pergunta, Gastal invocou a condição de repórter do Galvani e exigiu que o mesmo averiguasse o que estava acontecendo. Diante da cobrança, Galvani voltou ao local e descobriu que os operários estavam montando as 14 bancas que fariam parte do cenário da nossa 1ª Feira do Livro, na qual esteve presente a Companhia Editora Nacional, anunciando a biografia de Monteiro Lobato (1882-1948) e caixas de saldos com livros a preços acessíveis.

Atualmente, é difícil imaginar a dimensão do fato de expor o livro na praça. Há mais de cinquenta anos, adquirir um livro era símbolo de erudição, e as livrarias eram consideradas espaços de luxo. Nelas, os leitores, ostentando status, buscavam acesso a livros nacionais e internacionais.

Em 1956, Erico Veríssimo (1905-1975), que em 1955, ano da primeira Feira do Livro, não conseguira retornar dos Estados Unidos, introduziu a sessão de autógrafos, tradicionalmente, marca da interação entre os escritores e o público leitor. Os autores, naquele momento, consideraram a novidade, trazida por Erico Veríssimo, um exibicionismo e protestaram. Na realidade, embora a oposição inicial, a ideia de criar uma sessão de autógrafos consagrou-se, ao longo do tempo, como um marco importante no universo literário.

A sessão de autógrafos, naquele tempo, era diferente, pois o escritor permanecia um período, na banca de sua editora, autografando. Um dado interessante é que o autógrafo pioneiro, na primeira Feira do Livro, em 1955, foi de um juiz de Direito, Lenine Nequete, em seu livro Da Prescrição Aquisitiva-Usucapião, comprado pelo escritor Guilhermino César (1908-1993).

Na sua terceira edição, em 1957, coleções começaram a ser vendidas pelo sistema de crediário. No ano do golpe militar de 1964 foram instaladas as bancas do Diretório Estadual dos Estudantes, da Biblioteca do III Exército e da conhecida Delegacia de Costumes.

Na década de 70, a Feira do Livro se transformou em evento popular, incluindo programação cultural. Os três sinais de luz, que indicavam o término da Feira do Livro, somaram reforço em 1977, quando José Júlio La Porta (1933-2013), conhecido como “xerife”, recebeu o sino com o qual anunciou a abertura e encerramento da Feira durante muitos anos.

Apenas quatro mulheres em 60 anos

A partir de 1980, foi admitida a venda de livros usados. Nos anos 90, o evento conquistou grandes patrocinadores devido ao estímulo dado pelas leis nacional e estadual de incentivo à cultura. A partir de 1997, a Feira do Livro elege um país do mundo. Neste ano de 2015, nossa Feira do Livro não possui um país homenageado, porém contará com diversos escritores de língua estrangeira, a exemplo de Gard Sveen (Noruega), Leena Letholainen (Finlândia), representantes da nova geração de autores de romances policiais de países nórdicos.

A tradição de escolher um patrono iniciou na 11ª edição da Feira do Livro, em 1965, quando foi escolhido o escritor Alcides Maya (1878-1944), o primeiro gaúcho a ingressar na Academia Brasileira de Letras. Anterior a esse período, havia apenas um orador oficial na cerimônia de abertura. A partir de 1965, institui-se a escolha de patronos entre escritores e livreiros que se destacaram no universo literário, porém as homenagens eram póstumas. De 1965 a 1983, foram patronos treze escritores gaúchos, um jornalistas, três livreiros e dois escritores estrangeiros.

No ano de 1984, na sua 30ª edição, a escolha do patrono deixou de ser uma homenagem póstuma, privilegiando, em vida, nomes de destaque no cenário literário. O primeiro patrono deste período foi Maurício Rosenblatt (1906-1988), incentivador e um dos fundadores da Feira do Livro.

Fato curioso é que, embora a presença em nosso estado, ao longo do tempo, de inúmeras mulheres escritoras, apenas quatro, em sessenta anos de existência da Feira, foram patronas ou patronesses: Maria Dinorah (1925-2007) – primeira escritora homenageada, em 1989, Lya Luft (1996), Patrícia Bins (1928-2008), no ano de 1998, e Jane Tutikian (2011).

Patrimônio imaterial e motivo de orgulho

POA Feira do livro atualNeste ano de 2015, em sua 61ª edição, foi escolhido para patrono da Feira, evento organizado pela Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL), Dilan Camargo. Com mais de 20 livros publicados, o autor, nascido em Itaqui (RS), no ano de 1948, dedica-se ao público infantil. Em entrevista, afirmou: “Sou um pequeno escritor para pequenos leitores”. O atual patrono da Feira do Livro de POA é também compositor de temas nativistas, a exemplo de “Pampa Pietá” e “Tropas de Maio”, ambas em parceria com Newton Bastos.

A Feira do Livro de Porto Alegre, criada em 1955, atravessou nossas fronteiras, tornando-se um evento internacional que possibilita o encontro dos escritores, com seu público leitor, numa gratificante simbiose cultural. No ano de 2005 recebeu a Medalha da Ordem do Mérito Cultural, concedida pela Presidência da República e pelo Ministério da Cultura. Em 2010, ela foi considerada patrimônio imaterial de cunho cultural, reconhecido pela Secretaria Municipal da Cultura. Momento ímpar e motivo de orgulho para os gaúchos de todas as querências.

Fonte e créditos